RESENHA DO LIVRO “LEGISLADORES E INTÉRPRETES” - ZYGMUNT BAUMAN
O papel, a função, o objetivo, enfim, a finalidade dos intelectuais no mundo moderno: é sobre tal questão que Bauman se ampara para dar vida ao excelente “Legisladores e Intérpretes”. Aquilo que é produzido pelos intelectuais é levado conta no desenvolvimento da sociedade? A cultura em marcha segue de mãos dadas com a realização dos intelectuais? Uma coisa está ligada à outra? Afinal, o que ou quem são os intelectuais?Quem criou e quem define essa condição? Qual é produto quem produzem?
Bauman explica que o intelectual surgiu juntamente com o Estado absolutista, sendo que o papel a ser desempenhado era o de legislar de acordo com uma pretensão abrangente, em largar escala, universal, sobre o progresso da humanidade, da sociedade, da razão. Deste modo, tendo o intelectual um conhecimento para além do comum, mais alto, sobre todas as coisas, caberia à este fornecer as bases, as diretrizes, as orientações, para um melhoramento da sociedade. Conforme Bauman:
O intelectuais assim se autoproclamaram. Diante da necessidade que julgaram possuir acerca de estabelecer visões mais escorreitas do mundo e de seu progresso, formaram-se os intelectuais. Nasceram assim como um dos símbolos da modernidade. É dessa época que também “se estabeleceu a síndrome poder/conhecimento, o atributo mais visível da modernidade”[2]. A era moderna, explica o sociólogo, é aquela que se definiu enquanto Razão e racionalidade reinantes, de modo que quaisquer outras formas de se ver o mundo eram insuficientes. Entrariam na conceituação de modernidade:
Foi num momento posterior que o intelectual passou da função de legislador para a de intérprete, podendo ser feita uma análise comparativa da transição da modernidade para a pós-modernidade. A visão de mundo pela pós-modernidade leva em conta os diversos modelos de ordem existentes, não sendo admitidos “testes de legitimidades” para dar sustância de fundamento único, legítimo e devido para uma ordem isolada. Afinal, há de se levar em conta a pluralidade de localidades, de significados, de comunidades. O resultado peculiar disso é que “do ponto de vista pós-moderno, a relatividade do conhecimento (isto é, sua “inserção” na própria tradição sustentada em comum) é um traço duradouro do mundo”[4]. A fala pós-moderna visa analisar o crédito da modernidade como “autodesignação da civilização ocidental”, vez que se “implica que as qualidades autoatribuídas contidas na ideia de modernidade não se sustentam hoje”. Daí que se diz que “o debate pós-modernista trata da autoconsciência da sociedade ocidental e das bases (ou da ausência de bases) dessa consciência”[5]. É reconhecendo sua futilidade que a pós-modernidade abandona a própria busca. Estabelece-se pelo viés da incerteza, carente de bases concretas que se podem dizer como as corretas, ou seja, a era pós-moderna, considerando a “quantidade ilimitada de formas competidoras de vida”, é “incapaz de provar que seus termos se baseiam em algo mais sólido e vinculante que suas próprias convenções historicamente formadas”[6]. Bauman utiliza a metáfora do “legislador” e do “intérprete” para situar a estratégia do trabalho intelectual em cada um dos mencionados períodos. À estratégia moderna cabe o papel dado ao intelectual de “legislador”, de modo que se consiste em tecer análises e observações acerca de controvérsias e opiniões sobre as coisas do mundo, optando assim por aquelas que irá se impor como as verdadeiramente corretas. A autoridade para tal arbítrio se legitima pelo conhecimento superior, o qual os intelectuais possuem amplo acesso (muito mais que os não intelectuais). A forma para se estabelecer as diretrizes, as bases, as regras, dizendo o que é válido e o que não é, também é construída pelos próprios intelectuais. Já para a estratégia pós-moderna é conferido o papel de “intérprete” ao intelectual, no qual “consiste em traduzir afirmações feitas no interior de uma tradição baseada em termos comunais, a fim de que sejam compreendidas no interior de um sistema de conhecimento fundamentado em outra tradição”[7]. O objetivo é dar mais voz para todos os participantes da sociedade, mantendo-se o equilíbrio nas interações que surgem dos diálogos de tradições diferentes. Para Bauman, a modernidade não pode se dizer como terminada, visto que sua tarefa não foi plenamente cumprida. A tradição cultural do Ocidente a manteria viva, além da própria “prática coletiva de seus portadores intelectuais”. Assim sendo, “vista da perspectiva do projeto da modernidade, a condição pós-moderna nada traz de qualitativamente novo, enquanto as tarefas dos intelectuais modernos ainda restam a ser desempenhadas”[8]. A função, portanto, dos intelectuais, hoje, seria a de levar adiante o projeto da modernidade, visando assim dar efetividade à sua plena realização. Na edição brasileira da obra, Bauman explica ainda o seu famoso conceito de modernidade líquida, o que fez a partir de um viés crítico da noção de pós-modernidade. Um livro importantíssimo para uma melhor compreensão do surgimento de nossa época. De forma coesa, profunda, robusta, erudita e bastante esclarecedora, Bauman logra notório êxito em sua pretensão escrita. Vale conferir! Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura E-mail: paulosilasfilho@hotmail.com LINK DO LIVRO: http://www.zahar.com.br/livro/legisladores-e-interpretes [1]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 15 [2]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 16/17 [3]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 157 [4]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 19 [5]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 165 [6]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 167 [7]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 20 [8]BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 260 |
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